Inacreditável...
Sei que a questão da menina de nove anos estuprada pelo padrasto já está até ficando ultrapassada, não escrevi nada antes para não ficar repetindo o óbvio, mas é impossível de se acreditar que tenham excomungado à família e aos médicos e não ao estuprador. É uma vergonha revoltante.
Segue abaixo um texto do conhecido (e revoltado) médico Dráuzio Varella, a respeito do caso.
Incoerência católica
Os males que a igreja causa em nome de Deus vão muito além da excomunhão de médicos
AOS COLEGAS de Pernambuco responsáveis pelo abortamento na menina de nove anos, quero dar os parabéns. Nossa profissão foi criada para aliviar o sofrimento humano; exatamente o que vocês fizeram dentro da lei ao interromper a prenhez gemelar numa criança franzina.
Apesar da ausência de qualquer gesto de solidariedade por parte de nossas associações, conselhos regionais ou federais, estou certo de que lhes presto esta homenagem em nome de milhares de colegas nossos.
Não se deixem abater, é preciso entender as normas da Igreja Católica. Seu compromisso é com a vida depois da morte. Para ela, o sofrimento é purificador: "Chorai e gemei neste vale de lágrimas, porque vosso será o reino dos céus", não é o que pregam?
É uma cosmovisão antagônica à da medicina. Nenhum de nós daria tal conselho em lugar de analgésicos para alguém com cólica renal. Nosso compromisso profissional é com a vida terrena, o deles, com a eterna. Enquanto nossos pacientes cobram resultados concretos, os fiéis que os seguem precisam antes morrer para ter o direito de fazê-lo.
Podemos acusar a Igreja Católica de inúmeros equívocos e de crimes contra a humanidade, jamais de incoerência. Incoerentes são os católicos que esperam dela atitudes incompatíveis com os princípios que a regem desde os tempos da Inquisição.
Se os católicos consideram o embrião sagrado, já que a alma se instalaria no instante em que o espermatozoide se esgueira entre os poros da membrana que reveste o óvulo, como podem estranhar que um prelado reaja com agressividade contra a interrupção de uma gravidez, ainda que a vida da mãe estuprada corra perigo extremo?
O arcebispo de Olinda e Recife não cometeu nenhum disparate, agiu em obediência estrita ao Código Penal do Direito Canônico: o cânon 1398 prescreve a excomunhão automática em caso de abortamento.
Por que cobrar a excomunhão do padrasto estuprador, quando os católicos sempre silenciaram diante dos abusos sexuais contra meninos, perpetrados nos cantos das sacristias e dos colégios religiosos? Além da transferência para outras paróquias, qual a sanção aplicada contra os atos criminosos desses padres que nós, ex-alunos de colégios católicos, testemunhamos?
Não há o que reclamar. A política do Vaticano é claríssima: não excomunga estupradores.
Em nota à imprensa a respeito do episódio, afirmou Gianfranco Grieco, chefe do Conselho do Vaticano para a Família: "A igreja não pode nunca trair sua posição, que é a de defender a vida, da concepção até seu término natural, mesmo diante de um drama humano tão forte, como o da violência contra uma menina".
Por que não dizer a esse senhor que tal justificativa ofende a inteligência humana: defender a vida da concepção até a morte? Não seja descarado, senhor Grieco, as cadeias estão lotadas de bandidos cruéis e de assassinos da pior espécie que contam com a complacência piedosa da instituição à qual o senhor pertence.
Os católicos precisam ver a igreja como ela é, aferrada a sua lógica interna, seus princípios medievais, dogmas e cânones. Embora existam sacerdotes dignos de respeito e admiração, defensores dos anseios das pessoas humildes com as quais convivem, a burocracia hierárquica jamais lhes concederá voz ativa.
A esperança de que a instituição um dia adote posturas condizentes com os apelos sociais é vã; a modernização não virá. É ingenuidade esperar por ela.
Os males que a igreja causa à sociedade em nome de Deus vão muito além da excomunhão de médicos, medida arbitrária de impacto desprezível. O verdadeiro perigo está em sua vocação secular para apoderar-se da maquinária do Estado, por meio do poder intimidatório exercido sobre nossos dirigentes.
Não por acaso, no presente episódio manifestaram suas opiniões cautelosas apenas o presidente da República e o ministro da Saúde.
Os políticos não ousam afrontar a igreja. O poder dos religiosos não é consequência do conforto espiritual oferecido a seus rebanhos nem de filosofias transcendentais sobre os desígnios do céu e da terra, ele deriva da coação exercida sobre os políticos.
Quando a igreja condena a camisinha, o aborto, a pílula, as pesquisas com células-tronco ou o divórcio, não se limita a aconselhar os católicos a segui-la, instituição autoritária que é, mobiliza sua força política desproporcional para impor proibições a todos nós.
Extraído do jornal Folha de São Paulo
Segue abaixo um texto do conhecido (e revoltado) médico Dráuzio Varella, a respeito do caso.
Incoerência católica
Os males que a igreja causa em nome de Deus vão muito além da excomunhão de médicos
AOS COLEGAS de Pernambuco responsáveis pelo abortamento na menina de nove anos, quero dar os parabéns. Nossa profissão foi criada para aliviar o sofrimento humano; exatamente o que vocês fizeram dentro da lei ao interromper a prenhez gemelar numa criança franzina.
Apesar da ausência de qualquer gesto de solidariedade por parte de nossas associações, conselhos regionais ou federais, estou certo de que lhes presto esta homenagem em nome de milhares de colegas nossos.
Não se deixem abater, é preciso entender as normas da Igreja Católica. Seu compromisso é com a vida depois da morte. Para ela, o sofrimento é purificador: "Chorai e gemei neste vale de lágrimas, porque vosso será o reino dos céus", não é o que pregam?
É uma cosmovisão antagônica à da medicina. Nenhum de nós daria tal conselho em lugar de analgésicos para alguém com cólica renal. Nosso compromisso profissional é com a vida terrena, o deles, com a eterna. Enquanto nossos pacientes cobram resultados concretos, os fiéis que os seguem precisam antes morrer para ter o direito de fazê-lo.
Podemos acusar a Igreja Católica de inúmeros equívocos e de crimes contra a humanidade, jamais de incoerência. Incoerentes são os católicos que esperam dela atitudes incompatíveis com os princípios que a regem desde os tempos da Inquisição.
Se os católicos consideram o embrião sagrado, já que a alma se instalaria no instante em que o espermatozoide se esgueira entre os poros da membrana que reveste o óvulo, como podem estranhar que um prelado reaja com agressividade contra a interrupção de uma gravidez, ainda que a vida da mãe estuprada corra perigo extremo?
O arcebispo de Olinda e Recife não cometeu nenhum disparate, agiu em obediência estrita ao Código Penal do Direito Canônico: o cânon 1398 prescreve a excomunhão automática em caso de abortamento.
Por que cobrar a excomunhão do padrasto estuprador, quando os católicos sempre silenciaram diante dos abusos sexuais contra meninos, perpetrados nos cantos das sacristias e dos colégios religiosos? Além da transferência para outras paróquias, qual a sanção aplicada contra os atos criminosos desses padres que nós, ex-alunos de colégios católicos, testemunhamos?
Não há o que reclamar. A política do Vaticano é claríssima: não excomunga estupradores.
Em nota à imprensa a respeito do episódio, afirmou Gianfranco Grieco, chefe do Conselho do Vaticano para a Família: "A igreja não pode nunca trair sua posição, que é a de defender a vida, da concepção até seu término natural, mesmo diante de um drama humano tão forte, como o da violência contra uma menina".
Por que não dizer a esse senhor que tal justificativa ofende a inteligência humana: defender a vida da concepção até a morte? Não seja descarado, senhor Grieco, as cadeias estão lotadas de bandidos cruéis e de assassinos da pior espécie que contam com a complacência piedosa da instituição à qual o senhor pertence.
Os católicos precisam ver a igreja como ela é, aferrada a sua lógica interna, seus princípios medievais, dogmas e cânones. Embora existam sacerdotes dignos de respeito e admiração, defensores dos anseios das pessoas humildes com as quais convivem, a burocracia hierárquica jamais lhes concederá voz ativa.
A esperança de que a instituição um dia adote posturas condizentes com os apelos sociais é vã; a modernização não virá. É ingenuidade esperar por ela.
Os males que a igreja causa à sociedade em nome de Deus vão muito além da excomunhão de médicos, medida arbitrária de impacto desprezível. O verdadeiro perigo está em sua vocação secular para apoderar-se da maquinária do Estado, por meio do poder intimidatório exercido sobre nossos dirigentes.
Não por acaso, no presente episódio manifestaram suas opiniões cautelosas apenas o presidente da República e o ministro da Saúde.
Os políticos não ousam afrontar a igreja. O poder dos religiosos não é consequência do conforto espiritual oferecido a seus rebanhos nem de filosofias transcendentais sobre os desígnios do céu e da terra, ele deriva da coação exercida sobre os políticos.
Quando a igreja condena a camisinha, o aborto, a pílula, as pesquisas com células-tronco ou o divórcio, não se limita a aconselhar os católicos a segui-la, instituição autoritária que é, mobiliza sua força política desproporcional para impor proibições a todos nós.
Extraído do jornal Folha de São Paulo
10 Comentários:
Olha, eu super condeno a igrja catolica ai, o papa e todo o resto dos padres que ficam condenando a mae e simplificando o estuprador! E revoltante mesmo! Esse ato da igreja e o mesmo de trocentos anos atras!
bju bju
eu tenho uma dúvida!
alguém perguntou aos "excomungados" se eles são católicos??
parte-se do princípio que são!
eu não gosto da igreja católica!
nada contra os católicos!!!!
mas tudo contra a igreja!
jamais seguiria uma religião com tantos maus exemplos!!!
menina, que tema polêmico!!
beijos p/ você!!!
Oie Lúcia, adorei você ter postado o texto do Dr. Dráuzio, eu ainda não tinha lido, ele escreveu tudo o que eu queria ouvir. Bjokas querida.
Lucia, obrigado por comentar antes mesmo de eu terminar meu post...
Os selinhos estão no mesmo post, mas ainda não pude publicar que estou tentando carregar os vídeos a mais de uma hora, mas ainda não consegui.
CAptain Forr
P.S - Faz uma campanha pra todo mundo buscar selinhos, ver fotos do vôo e banho público (batismo) e video (se eu conseguir postar). Foi difícil, caro e os selinhos (gratuitos, que são gratuitos, por sinal) deram trabalho!
Agora, tem de valer a pena, não?
Captain Forr
Difícil comentar um lance desses.
Todo mundo acha alguma coisa a respeito, mas só quem passa por certas situações pode avaliar.
Dr. Dráuzio Varela é mestre!
Eu sou radicalmente contra o aborto... Aborto, pra mim, é homicídio.
Nesse caso, o aborto foi necessário, pra salvar a vida da mãe.
Quem foi o homicida nesse caso? O padrasto, obviamente.
Ele deveria ser condenado pelo abuso sexual, assim como pelo duplo homicídio. Como o estupro foi intencional, deveria ser condenado por duplo homicídio doloso.
E os médicos fizeram a coisa correta.
E, por mais revoltante que seja, ninguém deve se preocupar com a excomunhão. A salvação/redenção está em Jesus, não em religião, e nenhuma autoridade religiosa , por mais que queira, determina quem Jesus tem direito a salvar ou não.
Captain Forr
Esse texto expõe tudo o que uma pessoa sã, pensa a respeito, a Igreja Católica, está com os valores ultrapassados, são os fariseus, demagogos de sempre.
Adorei o seu post!
Sei que esse tipo de coisa tem que ser comentada para que a sociedade reaja diante de tais situações horrendas, mas isso me deixa mal.
Beijo!
É ridículo mesmo. Mas, mais ridículo ainda é ele tentando se explicar, na entrevista que ele deu à revista Veja, na semana passada. Só papo furado... Poderia ter ficado bem quietinho, no canto dele!
Brilhante texto!
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